Quando se toca o universo


É preciso vencer o mundo. Tocar o universo quando houver a chance. Sentir o sabor do tato, o doce sorriso que lhe abraça o beijo. Nada é impossível ao que pula dos precipícios para fugir das chamas que lhe consomem os dias, petrificam as horas e afugentam em revoada as borboletas, os passarinhos.

Todas as vezes que nos trancamos em nós mesmos, escondemos do mundo as chances que nos oferecem. A vida é boa quando brigamos com ela e nos surpreendemos quando o esforço tem o tamanho daquilo que queremos tanto. É muito bom querer. O tempo é um alento, um túnel cheio de orientações e pedidos de paciência. Espere um pouco, mas não tire o olho do alvo; seja gentil, mas avance como uma fera quando a porta se abrir.

Há sonhos que me fazem fortes, mas hoje sei que “viver é melhor que sonhar”. Viver é para os fortes, os compenetrados de alma; os que não se importam quando os calos estão doendo, quando a mão sangra e respinga. “Viver é a coisa mais rara do mundo” e não basta apenas existir.

As pontes foram feitas para serem cruzadas. Os rios para atravessarmos a nado quando não temos a capacidade de construir pontes. “Hai que endurecer”, pois apenas o doce não basta. O deleite é fogo-fátuo que faz do mundo um lugar perigoso. Não lutar é morrer de novo enquanto se vive.

Eu toquei o manto do universo e as estrelas encandearam-me os olhos. Somos poeira de astros destroçados e poeira voltaremos a ser. Morreremos logo, um dia desses qualquer, “a vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida”, “algum punhal de amor traído”, uma queda estúpida no banheiro. Assustador demais para não viver com pressa; para não saltar e correr o risco de um soco, no olho, no estômago. A dor física é muito menor e insignificante que a dor do arrependimento.

Como é bonita a Irlanda e como é simples aprender inglês. A Espanha e suas tapas, a França e seus cafés. Tudo ali, possível aos que não se assustam com os próprios erros e que riem das gafes, dos mal-entendidos que cometem; aos que contam em gargalhadas as bobagens que fazem. Pedir desculpas é fácil, quero ver se desculpar sorrindo.

É muito difícil escrever para alguém, lhe definir, entrar em seus pensamentos. Mas é isso que torna o outro a tormenta que nos interessa. Todos somos espelhos em frente aos reflexos. Queremos nos ver no instante alheio e tentar modificá-lo para não nos sentir tão sozinhos. Queremos o beijo selvagem da certeza e seguimos caminhos desconhecidos temendo pisar em espinhos, atolar os pés, ficar descalços. Ainda assim seguimos porque em cada curva o percorrido se mostra dócil e frágil e é assim que cruzamos a linha imaginária que nos atormenta.

O mundo é simples, embora hipercomposto. É biológico, físico, matemático; é dor, sussurro de amor e medo; desejo embalado por uma rede sem fim. A brisa mansa resfriando a noite, o pensamento restringindo a fala, a expectativa da hora seguinte. A despedida para outra vida. Tão curta a noite, tão breves os dias.

Ontem, eu passarinheiro corria os quintais. Corredores infinitos para o meu tamanho. Hoje sou uma lembrança borrada daquelas cenas. O tempo passa, o tempo passa, o tempo passa.

Toquei o universo e agora tenho medo do que está por vir, ainda assim meu dedo em riste aponta o infinito e eu sigo de olhos abertos até vencer o mundo.

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