Ofício de enganador


Certamente se você começou a ler este texto você quer saber simplesmente se ele tem um propósito – positivo ou negativo – se lhe será engraçado, orientador ou lhe fará pensar ou questionar alguma coisa. Tudo comum. Provavelmente você não vai contar quantos “que”, “você” ou “e”; as palavras repetidas ou se há algum equívoco na construção dos períodos e orações. Se você não for das letras ou do jornalismo, ou daqueles aficionados por literatura ou leitura, certamente não ficará perdendo tempo em observar uma vírgula fora do lugar, um ponto que não está aqui ou ali, uma expressão ou palavra mais apropriada. Pois é, você é livre, não sofre disso e talvez nunca tenha de viver os dramas de um articulista, jornalista, cronista, escritor, que seja.

Para você tanto faz a quantidade de vezes que reescrevi este trecho do texto até chegar neste ponto. Ou o número de leituras que fiz até deixar essa conversa o mais redonda possível para o seu agrado – ou não. Você nem imagina o quanto incomoda ficar pensando se é melhor colocar um travessão, uma vírgula ou mesmo um ponto, só pela rebeldia. Porque você não escolheu ser escritor. Você é uma pessoa normal que pode viver a vida apenas lendo o que pessoas como eu faço, ou tento fazer.

Eu queria largar este negócio de escrever, começar a vender carros, carne, contrabando. Entrar para a política e ganhar muito dinheiro. Mas sabem o que dizem, quando se tem um vício...

Sabe aquele negócio de abrir o computador e ir correndo para ver o e-mail, ver as redes sociais? Ou então chegar em casa e ir para a caixa do correio, ligar a televisão para ver se está passando aquele filme. Esses vícios assim de roer a unha, de comer chocolate e de deixar as coisas nos cantos para pegar depois. Sabe, é esse mesmo vício de escrever.

Fico olhando a galera falando sobre o assunto e me vejo excluído. Vou largar esse negócio e deixar tudo isso para vender cachorro-quente (queria botar X-Burger, mas achei muito americanizado), mas aí é só começar a ler um livro, pegar no computador que lá vem aquela ideia sorrateira, aquela vontade insana: poxa, por que não tenta mais uma vez. E tem aquela do Mário de Andrade: “o que é bom fica...”. E aquela do Antônio Torres: “Tem de ler e escrever bastante...”, não, acho que foi o Affonso Romano, ou o Afrânio Coutinho, enfim, acho que todos dizem isso.

Estou contando isso para que vocês não pensem que sou negligente. Eu sei que vocês poderiam estar fazendo outra coisa, lendo essa notícia aí do lado, a página dois que sempre tem um artigo, a página três onde a política acontece. Mas olhe a minha situação: eu poderia tá matando, tá traficando, ou tomando pirulito das mãos das criancinhas, mas não, olha: estou aqui enchendo esse negócio de dois pontos e roubando o precioso tempo de vocês.

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