O ofício de enganar.
Cristina Sampaio |
Certamente
se você começou a ler este texto você quer saber simplesmente se ele tem um
propósito – positivo ou negativo – se lhe será engraçado, orientador ou lhe
fará pensar ou questionar alguma coisa. Tudo comum. Provavelmente você não vai
contar quantos “que”, “você” ou “e”; as palavras repetidas ou se há algum
equívoco na construção dos períodos, orações e frases. Se você não for das
letras ou do jornalismo, ou daqueles aficionados por literatura ou leitura,
certamente não ficará perdendo tempo em observar uma vírgula fora do lugar, um
ponto que não está aqui ou ali, uma expressão ou palavra mais apropriada. Pois é,
você é livre, não sofre disso e talvez nunca tenha de viver os dramas de um
articulista, jornalista, cronista, escritor, que seja.
Para
você tanto faz a quantidade de vezes que reescrevi este trecho do texto até
chegar neste ponto. Ou o número de leituras que fiz até deixar essa conversa o
mais redonda possível para o seu agrado – ou não. Você nem imagina o quanto
incomoda ficar pensando se é melhor colocar um travessão, uma vírgula ou mesmo
um ponto, só pela rebeldia. Porque você não escolheu ser escritor. Você é um sujeito
ou sujeita normal que pode viver a vida apenas lendo o que pessoas como eu faz,
ou tenta fazer. Esforça-se, pelo menos.
Não,
é sério. Eu queria largar este negócio, começar a vender carros, carne,
contrabando. Entrar para a política e ganhar muito dinheiro. Mas sabem o que
dizem, quando se tem um vício...
Sabe
aquele negócio de abrir o computador e ir correndo para ver o e-mail, ver as
redes sociais; ou então chegar em casa (talvez fosse melhor dar um ponto, no
lugar do ponto e vírgula) – chegar em casa e ir para a caixa do correio, ligar
a televisão para ver se tá passando aquele filme. Esses vícios assim de roer a
unha, de comer chocolate e de deixar as coisas nos cantos para pegar depois. Sabe,
é esse mesmo vício de escrever.
Fico
olhando a galera falando sobre o assunto e me vejo excluído. Vou largar esse
negócio e deixar tudo isso para vender cachorro-quente (queria botar X-Burger,
mas achei muito americanizado), mas aí é só começar a ler um livro, pegar no computador
que lá vem aquela ideia sorrateira, aquela vontade insana: poxa, por que não
tenta mais uma vez. E tem aquela do Mário de Andrade: o que é bom fica... E
aquela do Antônio Torres? Tem de ler e escrever bastante. Não, acho que foi o
Affonso Romano, ou o Afrânio Coutinho, enfim, acho que todos dizem isso.
Tipo,
estou contando isso para que vocês não pensem que sou negligente. Eu sei que
vocês poderiam estar fazendo outra coisa, lendo essa notícia aí do lado, a página
dois que sempre tem um artigo, a página três onde a política acontece. Mas olhe
a minha situação: eu podia tá matando, tá traficando, ou tomando pirulito das mãos
das criancinhas e não, olhe: estou aqui enchendo esse negócio de dois pontos e
roubando o precioso tempo de vocês.
Comentários
Postar um comentário