Aos brasileiros que nos estupram


O sonho de Malvina do Beco, personagem central de um dos meus romances inéditos, era ser estuprada. Morreu sem realizar este desejo, mas teria se arrependido se tivesse sofrido tal agressão. Embora seja seu autor, não sou dono de sua personalidade que, muitas vezes é quem se apodera da minha. Por isso, não tenho certeza de limite desta sua carência.
            Nestes dias, o tema em questão vem tendo muita popularidade. Confesso que fiquei surpreso ao ver a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que indica que 65% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada. Depois de muita contestação na mídia e nas redes sociais, estão dizendo agora que houve erro na metodologia da pesquisa, ainda assim ficou essa má impressão do nosso próprio povo e País.
            Onde já se viu? Eu que achava horripilante as matérias sobre estupros coletivos na Índia, me deparo com uma “nação” masculina que não controla suas emoções nem suas doenças. Um homem que estupra uma mulher não é apenas um criminoso, mas um doente da pior espécie.
            Para piorar, vivemos uma época de muita exposição feminina. Mesmo depois de tanta campanha das feministas, da criação da Lei Maria da Penha e de tantos outros mecanismos, a publicidade continua explorando a imagem da mulher, tornando-a um produto. Isso pode não ser o motivo principal, mas a utilização do apelo sexual tem girado a cabeça da meninada. Agora virou moda as mocinhas se despirem para seus namorados e eles, na imbecilidade de suas machezas, distribuírem fotos e vídeos pela rede. Três suicídios de jovens já foram registrados por estes motivos.
            Veja que absurdo. Na era em que a superexposição sexual, tendo como foco principal a mulher, alcança o seu topo, ainda é considerado absurda a nudez feminina. Os jovens e homens acometidos por distúrbios vários acham que se uma mulher se insinua ou fica nua, ela merece ser apedrejada, estuprada e ter sua vida violentada. Porque desde sempre a mulher foi considerado um ser menor. Desde a bíblia, da era medieval, da igreja, dos reinados, da política; desde sempre a mulher foi tratada como um objeto para cama e mesa.
            Tem um autor chinês protestante que por graças não lembro o nome dele agora, que tem uma centena de livros explicando como a mulher deve se colocar submissa ao homem. Estou falando de um autor contemporâneo, vivo. Estou falando de religião que deveria equilibrar as pessoas através do perdão de Deus.
            Agora veja. Os brasileiros do Brasil que não pertenço não conseguem entender a diferença do público e do privado. Não entendem que como o homem, a mulher tem o mesmo direito, inclusive de andar de peito nu, tomar banho na praia só de biquíni, ou como queira, de protestar a favor do corpo – de ser a favor do abordo. Ninguém tem o direito de tocar noutro cidadão a não ser que este o permita. É assim que diz a constituição brasileira e também a “lei de Deus”.
            Portanto, ninguém merece ser estuprada, nem Malvina do Beco, que morreu virgem sonhando com esta violação. Porque Malvina era um ser inóspito, mas inocente que não compreendia o diabólico comportamento humano.

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