Mas não tente se matar...
Lobão é um idiota, isso não é novidade.
Babaca de mau comportamento e replicador de clichês norte-americanos, foi até inteligente
ao sumir os movimentos antidemocráticos realizados por uma elite branca e
ignorante, em sua maioria.
Não me refiro àqueles que estão de saco
cheio de tanta roubalheira e que não veem mais luz no fim do túnel, o
trabalhador que protesta porque tem motivo, mas daqueles que além de continuarem
viajando para Miami a cada dois meses, ainda pedem uma intervenção militar e
exibem cartazes cheios de ódio e erros ortográficos.
É tão esdrúxulo acompanhar essas cenas
quanto ver políticos enterrados na lama defendendo esse tipo de mobilização. Claro
que a maioria se beneficiou da Ditadura, pena que os protestantes dos domingos
ensolarados não sabem disso.
Mas tem uma gente que é ainda pior e
mais degradante: o militante direitista da rede social. Este não tem cara, só
perfil público todo maquiado e, geralmente, pousa em lindas mesas com muitos
amigos idênticos a eles. Aqui, acolá, tem um como eu, de família humilde,
simples, batalhador, mas este é o caso clássico de analfabetismo político.
Para essa galera desesperada que todos
os dias destrói a democracia civilizatória construída a sangue e fogo, Lobão
deixou uma composição muito importante ainda no tempo em que se prestava a
fazer alguma coisa boa e coletiva, apesar de sua angústia.
Na música, “Essa noite não”, dele com
Bernardo Vilhena, Ivo Meirelles e Daniele Daumerie, há uma referência muito
contemporânea desse cidadão desnorteado e imediatista. Aquele que mata uma mídia
toda vez que surge um aplicativo novo, que quer uma guerra civil ou o
militarismo impedindo que meninos joguem bola na rua.
A música, vocês se lembram, começa
assim: “A cidade enlouquece em sonhos tortos/ Na verdade nada é o que parece
ser/ As pessoas enlouquecem calmamente/ Viciosamente, sem prazer”. A primeira
estrofe, referenciada por uma melodia deliciosa e marcante, revela a visão da
realidade dos jovens oitentistas que é a mesma de hoje.
Aqui o reflexo da gentrificação, tão bem explanada por
Jonathan Raban em suas teorias, coloca o sujeito da música no centro deste
redemoinho violento, ao mesmo tempo em que prepara perfeitamente o campo para a
entrada do refrão implacável e muito necessário aos apocalíticos: “A maior
expressão da angústia/ Pode ser a depressão/ Algo que você pressente/ Indefinível/
Mas não tente se matar pelo menos essa
noite não”.
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